domingo, 20 de novembro de 2011

O sorriso

Havia ali a sorveteria. E havia ali a lembrança de todos os sundays que marcaram presença nos finais de semana de minha juventude. E havia ali algo que só hoje entendo bem o que foi.
     Foi em um teste final de ciências quando tudo começou. Um lápis emprestado e um sorriso de agradecimento. O clima pareceu mudar, tudo ficou tão quente. A cadeira dura e com encosto quebrado se tornou macia. O barulho de vários lápis riscando o papel se tornou reconfortante. O que estava acontecendo?
     Eu o encarava. Mesmo não sabendo exatamente o porquê, eu o encarava. Não, eu não devia estar fazendo isso. O que eram aves ovíparas?
     Não ouvi o sinal tocar, minha audição se desligara. Percebi que ele levantou e saiu. Quando olhei a minha volta, todos já haviam se retirado.
     Eram férias afinal. Há meses que eu aguardava por esse momento e sua primeira manhã pareceu tão vazia. As horas seguintes foram vazias. Os dias que se seguiram foram vazios. Tudo parecia vazio. Algo em mim estava vazio.
     Eu saia. Às vezes e sozinha. Ficava lá sentada no banco da praça olhando incrédula para a sorveteria. Por que eu não conseguia mais entrar lá?
     Só na segunda semana de férias que me vi enfadada. O que me fazia desejar tanto estar na sorveteria, mas que me incapacitava de frequentá-la? Eu tinha que entrar lá. Eu queria entrar lá. Não sei de onde veio a coragem e nem a força que sustentou minhas pernas.
     Eu estava lá dentro. Algo puxava minha coluna vertebral. Fazia frio. Fez tanto frio que cada parte do meu corpo se enrijeceu. Sentei.
     Eu o vi. Limpava as mesas como sempre. Ele estava lá. Ele estava ali. Percebi que logo ele estaria aqui. O ar ficou rarefeito. Como se respira?
     - Pensei até que você havia se mudado.
     O sorriso. Um calor se espalhou pelo meu peito. Meus pulmões se encheram de ar. Não havia mais vazio.

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